quarta-feira, novembro 26, 2008

O poeta da Praia

“O que é lindo é lindo; o que é fantástico é fantástico; e o que é romântico é romântico. E este espaço é isso tudo. Fique connosco no espaço do amor.”

Voz rouca, como quem quer puxar a coisa para o sexy, boca colada ao microfone, como quem fala ao ouvido. Puro charme cabo-verdiano. Como sempre e em tudo.

Sorri e o António veio-me à cabeça. E o Rui, o Edimilson e o Valter. O José e o João. E todos os outros: dezenas. Todos na minha cabeça mais a poesia do engate cabo-verdiano.

Todas as mulheres são lindas aqui, mesmo depois de acordar, mesmo despenteadas, sujas, ramelosas, mesmo tudo. Não é difícil receber mais de três pedidos de casamento por dia.

Ser mulher branca é um bocadinho pior. É mais ou menos ser a sensação da rua em que se passa, qualquer que ela seja. É ver cabeças a girar, sentir olhares demorados, ouvir convites desaforados. E desejar, mais que nunca, ter, efectivamente, o rabo monstruoso, a cara terrível, umas pernas gordíssimas e um corpo de barril. É perdoar todas as divas da pop por serem tão lindas, porque, no fundo, ninguém merece.

Eram duas da tarde. A praia estava quase vazia e a minha hora-e-meia-duas de almoço estava quase no fim. Fui espreitar o sol e molhar os pés.

- “Olá! Como te chamas? Tens medo da água?” Figura negra, alta, encorpada. Olhos escuros e t-shirt na mão.

- “Vim só molhar os pés, vou trabalhar.” Olhei para o lado, como quem foge, entre o medo e o como-é-que-é-possível-que-as-solteironas-desesperadas-do-mundo-não-tenham-ainda-ouvido-falar-desta-libido-atlântica?

- “Não devias vir tão vestida para a praia, não é justo. És egoísta. Queres o meu calção, agora que já tens o meu coração? Assim podias mergulhar, eu ia gostar... Como é que te chamas?”

- “Não vale a pena, obrigada. Joana. Tu?” E uns passos para o lado, sem querer parecer mal educada.

- “O meu nome é ti amo, o meu apelido é ti quero, fofa. Dás-me o teu número? Acho que podíamos conversar um bocadinho, estou a sentir por ti um fraquinho.” Um balanço gingão e um piscar de olho gabiru.

- “Tenho que ir, desculpa.”

-“Ah, que chato! Dou-te pelo menos um beijinho antes de ires! Só quem gosta de verdade é que sabe o que é a saudade. És comprometida, quirida?”

- “Claro! Tenho dois namorados, pelo menos. Enormes e muito fortes.” Passos maiores para longe, mas a mão dele na minha.

- “Eu posso ser o terceiro. Também tenho duas mulheres, uma quase a ter um bebé. Vamos ser muito felizes. Queres casar? Vou saber ti’amar.”

-“Não me dá jeito, mas obrigada pela atenção.”

- “Vá lá! Eles são brancos? Deixa eles. Preto faz melhor relação do que branco. Tenho um coração grande, cabe tudo. Quando vejo uma princesa assim, fofa, o coração bate alto, alto, alto e cresce. Dá-me um beijinho, mata esse fraquinho.” Um avanço e medo, a fugir, definitivamente.

- “Adeus!”

- “Não posso te beijar? Tudo bem, não vou forçar. Vou guardar o desenho dos teus olhos para em segredo te amar.”

Quase corri para o táxi. Entrei e suspirei de alívio. O senhor respondia a tudo “oui-oui”. Um descanso. Ainda tentei perceber se falava português ou francês, ainda lhe disse que era portuguesa e jornalista. Depois desisti. “Oui-oui! Oui-oui!” Um descanso.
Cheguei ao destino ainda com aquele poeta gabiru na cabeça. Ilustração perfeita de todos os homens cabo-verdianos. Abri a porta do táxi e virei-me para receber o troco. O motorista tinha outra cara; abriu a boca toda num sorriso gigante:
- “Portuguesa, foge com mim para portugal! Por amor!”

5 comentários:

Espalhafato disse...

(Procuro o melhor adjectivo. Não consigo) Cum caralho! =D Fantastico! Preto que é preto sabe sempre dizê-las bem! E tu, transformá-las ainda melhor

Beso da preta

Blabla disse...

Da próxima vez que disseres que estás gorda, lembro-te deste poeta.

Só rir.

Beijo *

Anónimo disse...

adorei o blog os meus pais sao de Cabo verde e ao ver essas fotos e tudo que tens no teu blog bateu-me uma enorme saudade de Cabo verde.
Adorei as frases que tens `“O meu nome é ti amo, o meu apelido é ti quero, fofa.` `Só quem gosta de verdade é que sabe o que é a saudade.`muito boas em particular a 2 como deves saber saudade e o que todos nos estamos a sentir nos aki no Dubai e tu em cabo verde.
aqui fica um abraco e boa sorte ai na nha terra linde. Os meus pais sao de Madeiralzinho. desculpa tambem a escrita e que este pc esta em arabe e encontrar os acentos e um stress. Manda mantenha pra tude gente de sonsente nha terra e linde

Anónimo disse...

Delicioso!

***

ps . e já tens o meu voto!!!

Sofia disse...

Genial!! =D Só tu para escreveres assim, minha querida... Adorei, está perfeito!

Vou passando por aqui, sempre. :)

Beijinho grande*