sexta-feira, novembro 26, 2010

Lula da Silva e o medo de deixar de ser cool ou o barato sai caro e está bem à vista

O Secretário Nacional de Segurança Pública do Governo de Lula da Silva em 2003, Luiz Eduardo Soares, defendeu, em entrevista à Lusa, que o Presidente “perdeu uma oportunidade histórica para resolver os problemas de segurança do país”.

Para o coautor do livro que inspirou o filme “Tropa de Elite” – que ilustra um quotidiano violento e corrupto no Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro – “é uma deceção muito grande que Lula da Silva tenha perdido a oportunidade de se desfazer da herança da ditadura militar [1965-1985] e passar o Brasil a limpo na área da segurança pública, pondo fim à tortura”.

“O Brasil herdou da ditadura problemas da maior gravidade no plano das estruturas organizacionais. Era imperioso que se estendesse o processo de transição democrática às polícias e às instituições afins para que pudéssemos começar o processo de atualização das polícias, para que elas se convertessem em instrumentos democráticos, ao serviço do estado democrático, de direito, de cidadania, cumprindo em fim suas missões constitucionais”, explicou.

Luiz Eduardo Soares foi um dos coordenadores do plano que integrou o programa de Governo de Lula da Silva e que o Presidente decidiu depois não levar avante.

“Tratava-se de uma reforma profunda das instituições através de mudanças na Constituição. O compromisso era eliminar a tortura, as execuções extra-judiciais, a brutalidade policial, o desrespeito aos direitos humanos, valorizar o trabalhador policial como cidadão, como profissional”, acrescentou.

Em agosto de 2003, diz, todos os Governadores dos 27 Estados do país tinham assinado o termo de compromisso com as mudanças, o chamado “Pacto pela Paz”. E então o Presidente recuou: “Lula decidiu não avançar com esta mudança porque os seus conselheiros avaliaram que ele se tornaria o grande protagonista da segurança pública no Brasil”, considera.

“O Presidente não quis assumir o início de um longo processo, cujos resultados seriam colhidos ao longo de anos, já com os seus sucessores, e cujos custos seriam pagos por si; os custos de resistência, de necessidade de ajustes, normais num processo de mudança”, acrescentou.

O antropólogo defende que isto aconteceu também porque “hoje a situação é muito confortável”, sendo que a Presidência não tem responsabilidades diretas sobre a questão da segurança e isso, diz, “permite-lhe lavar as mãos, deixar a bomba no colo dos governadores e, quando a situação se torna explosiva – dramática – aparecer de uma maneira muito simpática, muito solidária, a prestar ajuda”.

“Os Presidentes anteriores avaliaram que esta situação, apesar de muito mais nociva para o país, é muito mais confortável politicamente. E Lula acabou por fazer o mesmo”.

“O problema do Rio já não é o tráfico de droga, são as as milícias", diz inspirador de "Tropa de Elite"

O maior problema de segurança do Rio de Janeiro são as milícias que ocupam o lugar dos traficantes, considera Luiz Eduardo Soares, ex-membro do Governo de Lula da Silva e coautor do livro que inspirou o filme “Tropa de Elite”.

Entrevista publicada a 22/09/2010

Em entrevista à agência Lusa, o antropólogo e secretário Nacional de Segurança Pública em 2003 anunciou que o novo contexto será também o cenário do livro e do filme “Tropa de Elite 2”, com lançamento e estreia agendados para outubro no Brasil, o mês das eleições gerais no país, marcadas para dia três.

Segundo Luiz Eduardo Soares, o problema retratado em “Tropa de Elite”, sobre o quotidiano violento e corrupto no Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, atinge mais de uma centena das favelas na cidade – mais do que as que são controladas pelo tráfico de droga.

“São grupos de polícias, ex-polícias, alguns bombeiros e alguns civis que se organizam, invadem uma área controlada pelo tráfico de drogas, matam os traficantes ou expulsam-nos e substituem-nos, reproduzindo as suas práticas, desde o tráfico de drogas até as outras práticas nefastas, conhecidas em todo o mundo, típicas de máfia”, contou o autor.

Estes grupos, acrescentou, “cobram taxas sobre todas as transações comerciais, transportes, residências, promovem migrações ilegais, apropriando-se de terras públicas e vendendo-as ou alugando-as, controlam Internet, televisão por cabo…”.

Se algum residente nestas áreas ocupadas se recusa a pagar, “é exemplarmente castigado”, descreveu: “E aí temos torturas de todos os tipos e execuções públicas de morte. É uma justiça própria, terrível, selvagem, despótica, que é exibida para a comunidade como forma de aterrorizá-la.”.

Luiz Eduardo Soares considera que estes homens são muito mais perigosos do que os traficantes de droga, que são “cada vez mais jovens – morrem com 16, 17, 18 anos –, não têm experiência, nunca saíram da favela, não sabem andar pela cidade, não sabem o que fazer com o dinheiro”.

Estes homens “têm 30, 40 anos, são profissionais treinados nas polícias, conhecem os caminhos todos do Estado, e já têm um plano, que está em execução, típico do crime organizado”, afirmou.

O antropólogo disse ainda que as milícias estão assentes sobre uma “perigosíssima e violenta” estrutura de poder com legitimação democrática.

“As milícias não cresceram senão à sombra do poder. Contaram não só com a negligência do poder, mas com a sua cumplicidade ativa. Elas são parte do poder, que atua condicionado pelo peso dos votos”, acrescentou.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Amor, faca e alguidar

Uma casa, um armazém de têxteis, oito anos de um amor que ela sentia bonito, impreterível, visceral. Palavras tremidas da mulher que soluça de frente para uma juíza firme.

“Um homem bom, um homem muito meu amigo, muito bom para mim”.

Palavras tremidas da mulher que soluça de costas para uma audiência que chora com ela.
“O meu marido” no meio das frases todas, a dar consistência, a fazer eco, a fazer doer a dor do amor dela. “O meu marido”.

E depois as chaves da carrinha da mão dele para a mão dela. Explicação nenhuma, silêncio, ausência.

“Ao telefone disse-me que metesse na minha cabeça que não me queria mais, que não voltava para mim. Não sei explicar como fiquei”.

Os dias depois do dia das chaves da carrinha da mão dele para a mão dela foram todos maus.

“Eu não estava bem. Não tinha sentido de vida sozinha, sem o meu marido ao meu lado. Não conseguia viver sem uma explicação. Ia todos os dias sozinha ao armazém. Ia vê-lo, mesmo de longe. Umas vezes tentava falar com ele, outras vezes não. Nunca me aproximei muito porque de cada vez que ele me via mandava-me embora, fechava-me a porta”.

Um dia ele – “o meu marido, o meu marido” – ameaçou-a de morte. Mas “jamais seria capaz, jamais seria capaz, ao que ele gostava [dela], jamais seria capaz, o meu marido”.

O dia da véspera daquele dia foi pior, muito pior.

“Deitei-me com o revólver carregado que o meu marido tinha deixado em casa. Não sei quantas balas tinha, nunca tinha pegado numa arma. Levei a noite toda a pensar em matar-me, em matar-me, matar-me, matar-me”.

Mas jamais seria capaz, jamais seria capaz. Ao que ela o amava, ao marido, jamais seria capaz. De manhã levou a pistola na mão, carregada, à vista. Ia dizer-lhe amor. “Ou ele me explicava o motivo da separação, ou eu me matava”. Era só isso.

Mas depois não foi. Foram quatro tiros à queima-roupa e o homem morto.

“Quando me viu disse-me ‘vai-te embora daqui, minha grande puta’. E eu não disse nada, disparei”.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Na favela, o partido é Paraisópolis

Na favela de Paraisópolis, nos subúrbios de São Paulo, tem crescido ao ritmo exuberante do Brasil de Lula da Silva. Nas ruas há cores garridas, muita vida, muita pressa, muito orgulho. Na favela, o partido em que se vota é Paraisópolis.


Vistas de cima, as ruas próximas da União de Moradores desta comunidade dos subúrbios de São Paulo parecem uma pista de dança. Debaixo do emaranhado de fios elétricos que abastece os 100 mil moradores da comunidade, há música, ritmo e um gingar de centenas de corpos.

A festa é tanta que, diz-se por aqui, o aparato ostensivo do luxuoso bairro do Morumbi, que se avista ao longe, chega a ter inveja.

O presidente da União de Moradores, Gilson Rodrigues, conta que a comunidade “cresceu 20 anos em dois”: “Todas as semanas abre um comércio novo, todos os dias há um contacto de pessoas querendo montar um projeto”, diz.

“Quando aqui cheguei, [em 2001] os maiores problemas eram de infraestruturas. Era tudo lama. Não havia asfalto, havia gangues – [as pessoas] da rua de baixo não podiam subir para a rua de cima – havia um dono da favela, que às vezes se metia em discussões de marido e mulher, tudo o que acontecia tinha que ser resolvido com essa pessoa”, conta.

Os moradores, diz, “não tinham liberdade de circular, de se expressar”. Mas hoje, garante, a favela deu um salto, sobretudo “graças à união das pessoas, à mobilização, à intervenção e participação”.
“Na União de moradores, por onde passam por dia cerca de 1 500 pessoas há, à disposição de todos, telecentro, biblioteca, cozinha comunitária, a escola do povo, salas de informática, uma rádio comunitária, um jornal comunitário, um site e um espaço jovem, onde se desenvolvem inúmeras atividades”, ilustra.

A associação das mulheres de Paraisópolis [quase 50 por cento dos moradores da comunidade são mulheres] também nasceu na União e funciona hoje em pleno, a pensar políticas públicas para as mulheres.

Antes de Lula da Silva, Paraisópolis tinha oito por cento da população abaixo da linha da pobreza. Hoje, dois mandatos depois, Gilson não tem um dado concreto, mas diz ter a certeza de que o número diminuiu bastante.

“À medida que a população conseguiu ter acesso a recursos, ela montou negócios. Há oito mil comércios na favela. Você vê aqui pessoas que conseguiram, a partir dos apoios do Governo – apoio financeiro e incentivos à formação – avançar na vida. À medida que a pessoa vai ganhando oportunidades ela vai conseguindo que os seus caminhos sejam melhores”, afirma.

O ânimo da comunidade, diz, é grande. E isso percebe-se bem no ritmo que se sente nas ruas. Em poucos anos, garante Gilson, “isto vai transformar-se numa nova Paraisópolis. E é assim que queremos que se chame, para que não sobre mais nenhum preconceito em relação à comunidade”.

Apesar do caminho trilhado, os desafios, reconhece, ainda são grandes: “Há dez escolas a funcionar mas há ainda 5 mil crianças que não vão às aulas e cerca de 15 mil pessoas analfabetas. Precisamos de um posto de saúde que possa servir convenientemente a comunidade”.

Por isso, e porque o orgulho que se sente nas ruas, pelas lojas, é o mesmo que sai da boca do presidente da União de Moradores, em Paraisópolis vota-se em quem dá mais: “Votamos em quem olhar mais para a comunidade, o nosso partido é Paraisópolis”.

Dilma a cabeça, Lula o pescoço


in "O cartoon do António", Expresso

Jacson Garrett da Costa é publicitário. Hoje está à beira do rio Paraguai à espera do barco para ir pescar e fala de um Brasil que recomeçou pelas mãos de um Presidente que “mudou o conceito de falso primeiro mundo”.

O empresário está hospedado na pensão do maior restaurante do à pequena comunidade Porto da Manga, em Corumbá, junto à fronteira com a Bolívia, no Estado do Mato Grosso do Sul.

Até 2007, quando o programa “Luz para todos”, do Governo, permitiu às cerca de 40 famílias aqui residentes terem acesso a energia elétrica, era aqui que estava o único gerador do bairro.

Hoje a calma do curso do rio mantém-se e diz bem com a calma das pessoas que vivem à volta dele, mas é fácil perceber que a vida mudou. Hoje já não se usa lanternas no Porto da Manga.

Agora há sempre água fresca em casa. Também por isso, diz Jacson, “com Lula houve um recomeço”. Talvez não para o seu negócio, “porque a corrupção é muito boa para o meio publicitário”, mas para o Brasil, “que é hoje visto com outros olhos pelo mundo inteiro”.

“Lula pensou no recomeço do Brasil. A história mostrou que as principais propostas dele – combater a fome e olhar para os países emergentes do nível do Brasil – estavam certas. Ele mudou o conceito de falso primeiro mundo”, argumentou.

Jacson sente que Lula percebeu que “primeiro era preciso dar o pão aos brasileiros”: “Acho era preciso combater um problema real no Brasil: a fome, a miséria, que hoje estão a acabar. O avanço é grande nesse campo”, diz.

“Hoje o Brasil já não é só conhecido lá fora pelas bundas das meninas das escolas de samba. Já é conhecido porque é um país confiante e Lula tornou-se uma pessoa respeitada no mundo”.

Gosta de Dilma Rousseff, a mulher a quem Lula confiou o Brasil: “Dilma é um período novo. Acredito que ela é um pouco diferente de Lula, que sempre foi, no contexto local, revolucionário. Diria que Dilma é uma marxista moderna”, afirmou.

O publicitário vê “verdade" na imagem da guerreira e confia no trabalho que ela será capaz de fazer, espera, com alguém a conduzir a dança: “Que Dilma seja a cabeça e que Lula seja o pescoço”.