quinta-feira, novembro 15, 2007

Almada(da)


Passei hoje na cidade do costume com outros olhos. Na minha cidade. Olhos de ver. Parei. Hoje vi a minha cidade. Pus-me com olhos de ver na cidade que levo no coração para todo lado. No coração. A minha cidade, que tem alma e que pisca o olho a Lisboa.

Sentei-me no chão das estórias da história que passou por ali. Estórias que pintaram a Alma das cores que cheiram a Tejo. E sonhei.

Acordou-me a inveja da miúda que saltava à corda na rua. Saltava à corda, com a alma cheia de sorrisos despreocupados. Ia ficar ali todas as horas do mundo porque não sabia ver horas. E só tinha as horas todas do mundo. Todas as horas do mundo para ela, naquela cidade de ruas estreitas. Todas as horas do mundo para saltar à corda.

As luzes acenderam-se e a noite foi trazendo o vento. Vim a ver a rua e senti saudades. Saudades de quando um choro gritado era imperativo e panaceia, porque alguém resolvia o que fosse, ali, logo. Saudades do beijinho da mãe, que fazia a dor passar. Saudades da boca lambuzada de chocolates e gelado. Saudades de não saber ver as horas.
Saudades repetidas. E de mais gelados e de mais chocolate. Saudades de brincar, na calçada, onde esfolava os joelhos, até não haver sol. Saudades dos amigos imaginários com quem nunca mais falei.

Saudades de mim antes de ser este eu de agora. Saudades de me encontrar, perdida, na minha minha Almada. Que tem cheiro de poesia e de coisas a que os miúdos pequenos brincam.

Melancolia esquisita, de quem vai embora mas fica sempre, sempre, com uma fotografia bem dobrada dentro do peito.
Obrigada.
Fotografia: Paulo Raimundo