sexta-feira, novembro 19, 2010

Amor, faca e alguidar

Uma casa, um armazém de têxteis, oito anos de um amor que ela sentia bonito, impreterível, visceral. Palavras tremidas da mulher que soluça de frente para uma juíza firme.

“Um homem bom, um homem muito meu amigo, muito bom para mim”.

Palavras tremidas da mulher que soluça de costas para uma audiência que chora com ela.
“O meu marido” no meio das frases todas, a dar consistência, a fazer eco, a fazer doer a dor do amor dela. “O meu marido”.

E depois as chaves da carrinha da mão dele para a mão dela. Explicação nenhuma, silêncio, ausência.

“Ao telefone disse-me que metesse na minha cabeça que não me queria mais, que não voltava para mim. Não sei explicar como fiquei”.

Os dias depois do dia das chaves da carrinha da mão dele para a mão dela foram todos maus.

“Eu não estava bem. Não tinha sentido de vida sozinha, sem o meu marido ao meu lado. Não conseguia viver sem uma explicação. Ia todos os dias sozinha ao armazém. Ia vê-lo, mesmo de longe. Umas vezes tentava falar com ele, outras vezes não. Nunca me aproximei muito porque de cada vez que ele me via mandava-me embora, fechava-me a porta”.

Um dia ele – “o meu marido, o meu marido” – ameaçou-a de morte. Mas “jamais seria capaz, jamais seria capaz, ao que ele gostava [dela], jamais seria capaz, o meu marido”.

O dia da véspera daquele dia foi pior, muito pior.

“Deitei-me com o revólver carregado que o meu marido tinha deixado em casa. Não sei quantas balas tinha, nunca tinha pegado numa arma. Levei a noite toda a pensar em matar-me, em matar-me, matar-me, matar-me”.

Mas jamais seria capaz, jamais seria capaz. Ao que ela o amava, ao marido, jamais seria capaz. De manhã levou a pistola na mão, carregada, à vista. Ia dizer-lhe amor. “Ou ele me explicava o motivo da separação, ou eu me matava”. Era só isso.

Mas depois não foi. Foram quatro tiros à queima-roupa e o homem morto.

“Quando me viu disse-me ‘vai-te embora daqui, minha grande puta’. E eu não disse nada, disparei”.

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