terça-feira, novembro 25, 2008

O tempo, com muito mais tempo do que o tempo que o tempo tem

O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que, em Cabo Verde, o tempo tem muito (muito, muito, muito) mais tempo do que o tempo que o tempo tem.
- “Um café, por favor.”
- “Espera um bocadinho.”
Está a chover. O Inverno da Praia cola-se ao corpo, é húmido. Não é bem chuva, é uma ameaça. É uma chuva que corre devagar. Voa, nem chega a cair. Apetece gritar-lhe para se despachar. Ela veio mas o calor não foi, ficou. Húmido e peganhento.
É o tempo que não deixa o Inverno entrar. Deixa-o tanto tempo à porta à espera, que ele acaba por só conseguir soprar uns choviscos. E vai andando, sem ter tempo de fazer o tempo frio.
Aqui a medida do tempo é a espera. Espera-se. É assim que se vive. À espera: de tudo, por por tudo, por nada, por tempo indefinido. E impassivelmente.
- “O café, ainda vem?”
- “Sim, vai. Está a ir. Espera um bocadinho.”

E um sorriso largo, sentido, de olhos rasgados.

As casas com as vergonhas à mostra, todas em cimento, esperam dias melhores; as outras –que vivem dias melhores – vestiram-se de verdes-alface e por aí acima, à espera de festa; a maior parte das mulheres espera um filho; as que os trazem pela mão esperam não voltar a engravidar; e os homens, a julgar pelos olhares lascivos, esperam todo dia pela altura de fazê-los.

-“A máquina avariou?”
-“Não, senhora. Está a ir.”

Meia volta, o rabo a gingar ao som da música.

Cá fora, as vendedoras esperam pelos clientes. Lá dentro, os comensais esperam uma hora e meia pelo almoço, se o pedirem entre um beijo e um abraço à empregada, enquanto piscam o olho à cozinheira, e, claro, se estiverem sozinhos no restaurante. À noite espera-se pelos ladrões, porque antes disso já se esperou pela iluminação das ruas.

-“Estou a ficar sem tempo, princesa Antónia. Esse café, minha querida?”
-“Sim.”
Assente e passa a mão pelo cabelo. Sorri de novo. E ginga e bamboleia-se e rebola-se. E demora-se. E demora tudo, e demoram todos.

Mas não há pressa. Ninguém suspira de despero; ninguém está atrasado, ninguém rói as unhas ou treme a perna, em bicos de pés, sentado. Há tempo. Muito tempo, tanto tempo, todo o tempo que for preciso, e ainda tempo de sobra.

O ritmo do tempo destas vidas é o compasso de uma dança vivida, descomprometida, sentida. E muito, muito mais ritmada do que a minha.

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