segunda-feira, novembro 17, 2008

Capítulo 1 ou a eleição da Miss Cabo Verde

É a noite da semana. Talvez seja o evento do mês. Eles vão para vê-las. Elas – as deles – vão para terem a certeza de que eles vão mesmo só para vê-las – às outras, as do desfile – e, vão, claro, para terem inveja.
"As mais lindas não vão aparecer. Essas vivem no interior e têm complexos, são mais envergonhadas, não concorrem", explica Beto, adorável cicerone voluntário da noite.

É noite de gala no Pavilhão Desportivo Vavá Duarte, em Chã de Areia, no centro da cidade da Praia.

À porta há vendedoras dos oito aos 80 e pregões para os comes e bebes: amendoins, rebuçados, chocolates, bolachas, ponche – numas garrafas que já foram de sumo e ninguém desconfia na boca de quem – sumos, águas, cervejas...

E há saltos altos. Camisas de cores garridas e vestidos até aos pés, a cobrirem mulatas altas, lindas e produzidas para a festa.

O espaço está conforme. Há um palco com mais de um metro de altura, forrado com um tecido que só pode estar na moda. Por detrás há cortinas de cores que combinam com a diversidade cromática das vestes da audiência. É festa. Vai haver festa. Vê-se por todo o lado.

Mas vai demorando. E a espera faz-se com música: duas colunas com o triplo da altura do palco rosnam um pastiche de som comercial e crioulo.

"É que Cabo Verde é nim, não é Europa mas também não é África. Somos uma salada de frutas, em tudo; desde a música à língua, sem esquecer a maneira de vestir", explica Beto, 33 anos, designer gráfico.

O evento era coisa para começar às 21h mas não há pressa. São 23:15h e as mulheres robustas, de cesto à cabeça, entraram, calmamente, e vendem agora comida e bebidas nas bancadas.

O ambiente é de festa de família. Todos se conhecem. Quando não se conhecem disfarçam bem, sempre vestidos de um sorriso e de um balanço de dança no corpo.

"Muito boa noite! Boa noite! Muito boa noite!" Era quase meia noite quando uma senhora bem parecida, Isa e-o-resto-foi-tão-alto-e-colado-ao-microfone-que-não-se-percebeu, de ancas generosas gritou ao microfone. "Benvindos à eleição da Miss Cabo Verde 2008!"

"Aviso já este público de que não quero apupos. Os aplausos são benvindos, mas os apupos desencorajam as candidatas!", acrescentou.

Apresentou o júri e o concurso, virou costas ao público e mandou vir as meninas.

E elas vieram. Eram 13. Passaram na passerelle a dançar. Tenho para mim que a anca bem rebolada dava mais pontos. E dançavam, mexiam nas saias, flirtavam com a audiência, sorriam, faziam-se às fotografias.

E Isa ao fundo, com a cara escondida atrás de uma cábula enorme, mas com uma voz substancialmente presente, fornecia os detalhes: "Candidata número cinco, ilha da Brava, 18 anos, 1,50m de altura, 90 de anca, 76 de peito. É do signo aquário, tem o 9º ano de escolaridade, o seu estilo de homem é sincero. Nos tempos livres ela gosta de ouvir música no seu quarto. No futuro quer ser modelo. "

Há gritos, palmas, e desrepeitos à advertência de Isa: a rivalidade entre as ilhas passa o fairplay a ferro.

Entre as mudas de roupa das candidatas subiram ao palco artistas na berra, e aos berros, numa técnica que ultrapassa, pela direita e sem piscas, o playback: a música do autor é posta a tocar e ele canta por cima.

"Uma salva de palmas bem forte para estes artistas! E atenção, vem aí o traje de verão!"

Apocalipse! Traje de verão também se pode dizer todas-de-biquini. De mini-biquini. E o público aos gritos e aos saltos, de inveja e de vontades.
Desta vez o desfile é sóbrio, sem danças, mas o público não sossega. Todos discutem sobre aquela que merece a vitória. Há mesmo alguns que se aproximam da passarelle, tiram fotografias às candidatas e voltam para junto dos amigos para esclarecerem dúvidas e decidirem um voto justo.

Antes do traje de noite há "mais outros artistas" com danças e cantigas e mais danças e mais cantigas, sempre com a mesma técnica.

Há burburinho, discussão e campanha pela candidata que se defende que mais merece o título.

E houve um sono que só me obrigou a deixar a festa mais cedo e só me deixou acordar na manhã do dia seguinte.

- "Então, Beto, quem venceu?"

- "A número sete, da ilha de Santiago, acho. Mas não tenho a certeza."
- "Mas não ficaste até ao fim?"
Fez um sorriso largo, meteu as mãos nos bolsos dos calções de ganga e esticou o braço magro para chamar um táxi: "Fiquei, mas não importa. Agente nunca liga muito ao resultado."

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