terça-feira, agosto 25, 2009

O judeu da Gneisenaustrasse

Jérome é judeu, anárquico, feminista e vendedor de marijuana. Tem cerca de três dentes e vive em Berlim há 40 anos.

Pára todas as noites na pizaria mais famosa da Gneisenaustrasse, perto da estação de Mehringdam, no centro de Berlim.

É alto, entroncado e veste de ganga. Tem uns olhos muito azuis dentro de uns óculos de metal redondos, presos num enorme, magro e curvado nariz.

Não é um homem bonito. Tem cerca de três dentes e está “entre os 64 e os 65 anos”. Aperta o seu inglês num forte sotaque francês.

Enquanto aproveita a companhia de quem janta na humilde mesa da esplanada, mantém a cabeça e as palavras na conversa mas os olhos e a carteira ao fundo da rua, na porta do bar de muitos dos seus clientes habituais.

Jérome é judeu, anárquico, feminista e vendedor de marijuana. Vive em Berlim há 40 anos. Antes disso viveu pelo mundo.

Hoje acordou “para cima”. Ontem acordara no extremo oposto: “É Deus que faz as coisas assim. Temos que estar um dia mal para podermos dar valor a um dia em que estamos bem”.

“Desci para aproveitar a vida, sobretudo por ser Verão. É preciso aproveitar o Verão. Quando é Inverno em Berlim preferes sempre ir para o inferno”.

Não dá um euro a ganhar a ninguém, salvo o euro da cerveja que traz hoje na mão. Nunca compra comida mas aceita toda a que lhe oferecerem, como a piza que mete agora vagarosamente à boca.

“Acho que a atitude dos machistas é puro medo de que as mulheres sejam mais inteligentes”, diz, olhos esbugalhados e mãos a orquestrarem um discurso inflamado.

“Mas nunca casei. Tive pretendentes. Várias mulheres quiseram casar comigo, mas eu disse sempre não. Decidi não casar. Não sou desse tipo”.


“Com as mulheres deves aprender. Deves ouvir tudo o que te dizem, porque são sempre mais inteligentes do que os homens”, defende.

Quanto à erva, diz apenas que só vende “da boa” e “sempre a conhecidos”. “Não vendo droga a loucos. A marijuana bate mal”, garante.

Jérome resmunga ainda sobre os clientes que perde para os casamentos: “Elas pedem-lhes para pararem de fumar erva, e eles obedecem. Não têm escolha e eu é que perco!”, lamenta, de nariz no chão.

Num instante ergue a cabeça e atalha: “Bom, eu não falo de mulheres nem de dinheiro. Podemos falar antes sobre revoluções, sobre todas as revoluções do mundo”.

1 comentário:

david disse...

É sempre um prazer ler-te. As palavras "escorrem" muito bem, mesmo.
Gostei, particularmente, do "tem cerca de três dentes". Bom.

Do melhor!



David