sexta-feira, janeiro 30, 2009

A Grande Mesquita

É ténue a linha do desenho que se percebe no horizonte, mas indubitável a força da presença com que se assoma. O branco imenso da sua extensão esbate-se na luz fria e nublada do meio da manhã. [Fotografia inicial: Vítor Martinho]

A paz da pintura quebra-se com a proximidade. Como em toda a curva do golfo pérsico, as obras ainda não terminaram: há barulho, muitos trabalhadores, tijolos, cimento e apetrechos mil. E há ainda, não sei hoje, se sempre, hordas de turistas a transpirar cuiosidade e histeria.

A mesquita Zayed Bin Sultan Al Nahyan – ou, pela impronunciabilidade da sua graça, Grande Mesquita – é o mais imponente edifício religioso da história de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos (EAU), e uma das poucas abertas a não-muçulmanos.

Os turistas vingam-se e levam-na toda nos cartões de memória. Não há azulejo que não fique no retrato. E merece; posso arriscar que até se faz à fotografia. A Grande Mesquita é vaidosa. Porque é árabe e porque pode. Fez-se – de mármore, ouro, pedras semi-preciosas e cristais – com pedaços do mundo todo – de Itália à Índia, passando por Marrocos, Grécia, Alemanha, China e EAU.
Cabem aqui, ao todo, dizem eles, 40 960 fiéis.

- “ Não há mais chadors – os trajes pretos que cobrem o corpo da maioria das mulheres muçulmanas – nem hijabs – os lenços que cobrem as suas cabeças – lavados. Usaram todos!”
A voz atordoada é de uma filipina a quem delegaram a gestão da banca circular que fornece a roupa que os visitantes – sobretudo as mulheres – têm usar no interior da mesquita.

- “Agora só usados”, acrescenta, enquanto encolhe os ombros e desvia o olhar para um saco de plástico transprente, de onde caem peças negras do avesso, com o uso de quem vai espreitar os dois salões – fotografá-los até ter cãibras nos dedos – e volta.
- “Venham os usados, então!”, guincham duas chinesas. Vale tudo menos deixar alguma coisa por ver.

São centenas a entrar e a sair. Dezenas a parar no meio, para as fotografias. Milhares por dia, a brincar ao carnaval.

Paquistaneses e indianos estão arrumados como de costume: uns garantem a alvura e o brilho espelhado do chão, outros a segurança e o respeito (possível) pela santidade do local.

Na visita, eles vão mais ou menos à larga – “pede-se apenas que não vistam calções” –; elas vão todas embrulhadas.

Os sapatos ficam na linha do corredor que conduz à entrada. O cheiro que sobra – e que sobra, e que sobra – fica na maior carpete persa feita à mão (7 000 metros quadrados), que cobre todo o chão da segunda sala, onde – e já que se põe as letras nas grandezas – está pendurado o maior candeeiro do mundo.

Os visitantes atropelam-se, perguntam, gritam, e voltam a fotografar.

Cinquenta passos atrás da carpete que ainda fede daqui, está o frio da primeira sala, que só recua perto dos vitrais enormes e difíceis de dizer. O espaço faz sorrir por isso, e pela doçura das flores que crescem nas paredes de mármore.

Mais fotografias, poses, fotografias e poses, gritos, perguntas e atropelamentos. Todos fazem tanto para levar tudo que duvido que cheguem a ter tempo para ver alguma coisa.

Entre a multidão deambulante há guias que se distinguem pelas placas que agitam, em bicos de pés, de braços levantados.

- “A hora das orações está relacionada com os movimentos do sol”, explica, num francês amarrotado, uma guia tão anafada quanto coberta. “O calendário muçulmano é diferente do cristão. Contamos o tempo partindo do dia do Profeta. Estamos, por isso, no ano 1430.”

Os guias orientam os rebanhos e dão por findadas as visitas. Depois do meio dia a mesquita é só para quem vem fazer as suas orações.

As últimas poses, as últimas fotos, os últimos gritos de entusiasmo, e a roupa vestida de segundo uso posta fora dos corpos, do avesso. A debandada faz-se ao ritmo do burburinho – burburão, ão – a que as impressões se trocam. Já está.

Pelos vistos, Alá – o Deus dos “fanáticos-extremistas-intolerantes-e-todos-postos-no-mesmo-bolo-e-preconceitos-e-preconceitos...”– é um tipo calmo, que lida bem com a bandalheira. Gostava de ver o que faria a Nossa Senhora – “que é virgem e faz milagres” – com este circo de infiéis montado em Fátima.

[Curiosidade: Muslim Prayer Times]

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