sábado, julho 18, 2009

O poeta mercador

À volta, numa tarde de sábado, era tudo futebol mais barulhos e confusões anexas. Na mão dele, todos os dias, era toda a realidade feita poesia.

O homem sem traços tortos de maior, dono de curvas generosas e corriqueiras, é o poeta da região. Verseja a realidade.

- “Como eles fintam a bola eu finto as palavras e faço versos”, explica, enquanto tira notas para ajudar a inspiração.

Na mão dele “tudo dá verso”, afiança. E é tão de confiança que a Junta lhe editou um livro, que ele folheia e lê, salteando versos, “porque um pai ama todos os seus filhos com o coração a transbordar”.

Lê-os com a pressa de um amor tão cheio que não consigo fazê-los assentarem-me no caderno onde é preciso que se desenhe também uma reportagem feita da matéria de que o poeta fará mais obra.

- “Pode confiar, que sou poeta”.

Só ele é que tem olho para a realidade, “que afinal é toda ela só por si mesma um poema”.

- “Tenho tudo neste livro. O Seixal como nunca ninguém o viu, todo em verso. Eu gostava de fazer chegar a minha poesia a jornais maiores, ou ao mundo, porque ela merece”.

Fui deixando de ouvi-lo entre as vozes de outras conversas obrigatórias. Perdi-o de vista entre a confusão do apito final em campo.

Depois da multidão dispersa voltei a conseguir distingui-lo. Já não tinha o livro na mão. Levava debaixo do braço uma caixa de cartão espalmada. Corri para o apanhar.

- “Ainda quer aparecer numa espécie de jornal na Internet?”

- “Não, hoje já vendi os livros todos. Amanhã penso nisso”.

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