segunda-feira, maio 18, 2009

Fátima ao colo

O Santuário espera, cheio e transpirado – debaixo do mesmo calor de há 50 anos, quando pela primeira vez ali se esteve em suspenso para falar em coro ao Senhor – pela Santa que apareceu antes da capela que se havia de construir depois e que chega hoje cá acima para soprar as velas com o Cristo Rei.

Há velhos e novos, velhas e novas, com joelhos vergados ou por vergar, ou acabados de esticar por causa da Virgem, que veio à frente de todos desde Fátima a Lisboa, de Lisboa – pelo Tejo coberto de cortejos – a Almada – entupida de cânticos e velas por aí acima – até depois daquela subida muito a pique, que curva e faz arfar.

Ainda se houve dizer, com muita fé, depois da “velinha-para-alumiar-a-santinha-a-um-euro” de ontem: “Olha o lencinho, para dizer adeus à Virgem. Olha o terço, para rezar ao Cristo Rei. Olha o cachecol, que também tapa o sol”.

Florbela e Elizabete Oliveira continuam com os pregões a saltar na língua. Entre o deita-fora-o-pregão e o inspira-para-deitar-outro, “este momento – como o de ontem e os outros todos em que a Virgem aparece – é um momento maravilhoso, de grande fé”. É pena pelo negócio, choram-se, porque “não se vende coisa nenhuma”.

Debaixo de um chapéu florido, de cetim, está a cabeça de Albertina Martins, 67 anos, menina ao tempo de benzer a obra acabada. Albertina veio hoje, como há 50 anos, a pé, para rezar. “Adorei todas as procissões. Emocionei-me muito. Nunca mais vou voltar a ver uma coisa destas”, diz, exaltadadíssima, de braços feitos compridos pelo impulso da expressão.

“Mas estou ao sol desde as 11h da manhã. Não há direito!”, indigna-se: “Vim inaugurar isto, o meu pai forneceu a pedra e a areia para erguer o monumento. Sem mim quase que não havia Cristo Rei!”, argumenta. “Pelo menos a uma cadeirinha à sombra eu devia ter direito. Aquele palco está cheio de mulheres com forças nas pernas e os velhos ficam todos deste lado”, remata.

Antes da Santa do carro vem a do colo. Trá-la uma mulher de formas redondas e maquilhagem que sobra. Ana Paula Cruz, 48 anos, carregou, durante toda a procissão em Almada – de Cacilhas ao centro da cidade e daí ao Santuário – uma imagem da Nossa Senhora de Fátima, réplica fiel da que veio encerrar as celebrações do centenário.

“Não sei quanto pesa”, conta Ana Paula. “Sei que, por ela, a Nossa Senhora deu-me forças para chegar até aqui e cumprir a minha promessa. Custou-me muito, pensei que não chegava”.

Aproxima-se de Ana Paula uma mulher que há-de ter mais de 60 anos. Beija freneticamente a Santa, enquanto grita: “Salve-me, minha Santinha, salve-me! Tirei um tumor da cabeça e sinto-me tão mal, sinto-me tão mal! Este sol, a minha cabeça, a minha cabeça. Beijo esta e é como beijar a outra, não é? Não chego lá... Salve-me, minha Santinha!”

“Ela vai ajudá-la, saúde e sorte”, disse calmamente Ana Paula, arrepiada.

A imagem que traz nos braços “correu mundo”: “É uma imagem muito especial, igual à que está em Fátima, e já andou pelo mundo. Esteve em Roma e chegou a ser abençoada pelo Papa João Paulo II”.

Ana Paula trouxe Fátima ao colo por causa de um tropeção de amor.
“Separei-me do homem que amo. Não encaixamos. Resta-me rezar para que não me doa tanto, e pedir para que o mundo melhore”.

Para Ana Paula, “momentos como este são importantes pela oportunidade de reflexão”, porque “as pessoas pensam pouco e só pedem ajuda quando estão aflitas. O mundo olha muito apenas para o seu umbigo” e ela veio também por isso: “para pedir menos egoísmo e menos cinismo em cada um”.

Atrás dela vem um séquito imenso de senhores do Senhor, cujos braços são tão curtos que as mãos mal se podem juntar à frente das barrigas fartas, na linha do umbigo. Antecipam a Senhora que é a sua – a da pompa e da circunstância – que vem mais acima – e com muito mais leveza – do que a que vem ao colo.

Ana Paula traz ao colo a Santa pesada, para tirar peso ao mundo. O séquito dos senhores do Senhor trá-la levezinha, para poder deixar o mundo obeso.

1 comentário:

João Pedro Venceslau disse...

Parabéns ao Cristo Rei pelos 50 anos e a ti por mais um execelente post... Continua! =)

Beijinhos e até breve (14 dias and counting...)

Al Ramalah