sábado, abril 18, 2009

O fundo da pesca

“Metade das 400 famílias de pescadores da Costa de Caparica, Trafaria e Fonte da Telha passam fome. As outras não passam muito melhor”.

Lídio Galinho, Presidente da Delegação do Sindicato dos Trabalhadores da Pesca do Sul na Costa de Caparica, fala-me num tom exaltado, como se estivesse a inflamar uma multidão.

A sala está vazia de gente mas cheia da história de cada cada família que ele representa: 95% do total de pescadores do Concelho de Almada.

Tem, na enorme secretária de madeira que nos separa, queixas arrumadas em pilhas de papel: uma pilha por tema. A mesa está repleta.

“Legalmente, um pescador não tem direito a coisa nenhuma e as famílias têm vergonha de dizer que passam necessidades. Têm o seu orgulho; orgulho de pescador, afirma.

A miséria é encoberta com orgulho e vergonha, de olhar no chão: “Conto-lhe a minha história mas não escreva o meu nome”, pede o outro homem na sala.

O homem ao lado de Lídio tem 68 anos e há 61 que é pescador. Imagino que os olhos lhe tenham ficado tão azuis por se perderem tantos anos na linha do horizonte.

A história de cada mês – que é a sua e dos que tiveram vergonha de vir dar a cara – é uma conta de subtrair que começa pelas despesas de casa, “para não se perder o tecto”, segue para a farmácia, “que leva quase metade do orçamento”, e termina na comida “com o que sobra, como se pode”.

“Temos que dar graças aos supermercados onde ainda vendem latas de grão e de feijão a 20 e 30 cêntimos, ou não sei onde isto ia dar”, concordam.

Entre Janeiro e Fevereiro não conseguiram sair para o mar.

“Era um perigo. Antes ir morrendo aqui fora, sem dinheiro nem nada que comer, do que ir ao mar e morrer decerto, assevera.

Não há, à escala nacional ou europeia, nenhuma legislação que preveja aquilo a que o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas chama, citando a lei, «habituais dificuldades de operação durante o Inverno».

Lídio vai falando dos problemas um por um. Dá-lhes caras sem lhes dar nomes e muda os papéis de sítio.

“Os pescadores estão muito revoltados”, alerta. “Eu tenho feito um esforço para os acalmar, mas não garanto até quando. As pessoas estão mal, sentem-se injustiçadas, querem agir”.

Lídio arruma os magros óculos numa caixa de metal depois de nenhum dos papéis do início estar no mesmo sítio do tampo da secretária de madeira que nos separa.

Desvia o olhar para os quadros com desenhos que pescadores de há dois séculos e aperta os lábios.

“Sabe o que dói mais do que ver-nos, pescadores, a afundar como classe? É ver que a pesca, que foi – e é – toda a nossa vida, a bater no fundo”.

1 comentário:

Criastina Nico disse...

Obrigada Joana por te preocupares, por te envolveres com o mundo real.

Obrigada pela tua sensibilidade e atenção.

Gosto muito do teu trabalho.

Beijinhos