sexta-feira, abril 17, 2009

A mulher visível

«Ai, que maneira de cair para cima e de ser sempre eterna, esta mulher!» Pablo Neruda

Tem 43 anos mas já viveu mais de sete vidas. Mónica é imigrante, professora universitária, investigadora, divorciada, mãe de três filhos, dona de um cão e de um gato, e coordenadora de um projecto focado na integração de crianças desfavorecidas.

Para além disso, tem um sorriso largo na cara e carrega o mundo às costas, para o sacudir com a correria das suas ideias.

- “Tenho tido muitos voos, fiz muita coisa linda. Muita coisa linda!”

As palavras atropelam-se com a pressa de falar, a contar-se: as ideias chegam-lhe à cabeça muito mais depressa do que conseguem sair da boca, e as mãos dançam, frenéticas, a acompanhar a viagem.

Licenciou-se em Matemática pura, é Mestre em Educação Matemática e doutorada em Sociologia da Matemática mas, garante, “é má em contas”.

Enquanto conversamos entram e saem miúdos, a pedir atenção. Ela abraça-os, beija-os, olha-os nos olhos e dá-lhes a responsabilidade de garantirem, à porta da sala, que a entrevista se faz até ao fim, sem interrupções.

Ainda no Brasil, Mónica, deu aulas a índios a fingir, em escolas públicas, e a índios a sério, quando trabalhou com os indígenas da Reserva Natural do Parque do Xingu, no norte do Mato Grosso.

- “No Brasil as escolas públicas são outro mundo. É muito doido mas muito gratificante”, sorri. “Mas outro mundo mesmo são os índios. Fui para o Parque do Xingu fazer a ponte entre a matemática deles e a Ocidental, para que pudessem, por exemplo, compreender o que se dizia nos jornais sobre eles, para que percebessem a legislação. Foi outra coisa louca, mas maravilhosa”.

Nasceu e cresceu no centro da cidade de São Paulo, com o mesmo cabelo loiro que não lhe sossega nas mãos enquanto conversamos. É filha de um português emigrado no Brasil e de uma brasileira com ascendência austro-húngara.

Antes de me contar como chegou a Portugal, recebe no colo uma das 120 crianças que lhe passam pelas mãos todos os dias. É a mais complicada de todas. Um menino que não deve ter mais de seis anos. Sofria abusos sexuais por parte do padrasto, ficou psicótico.

- “Levei-o ao hospital e só saí de lá quando consegui que ele desse entrada na psiquiatria e tivesse um plano de tratamento". - “Mas a senhora não é mãe!” “Não me interessa! É tratar o menino e já, porque eu não saio daqui!” Agora toma um remédio para acalmar, está melhor”.

Veio para Portugal com 36 anos e com os três filhos, na altura com 12, 7 e 5 anos.

- “Foram quase dois anos a ter que ir, de tempos a tempos, às cinco da manhã para as filas do SEF, a ter que vistos para os miúdos. Muito tempo e muita grana.Mas correu e fez-se. Como se faz tudo, sempre que se corre”.

Mónica tem uma energia contagiante e uma rebeldia de menina: “Recebia advertências da reitoria da Universidade porque chegava de bicicleta e porque não almoçava com os professores, almoçava com os alunos, no macrobiótico. Vim-me embora, que clausura!”

Até Novembro, vive incansavelmente para este projecto e para estas crianças: “Nessa altura os educadores do projecto vão ser capazes de assumir a minha função. Só estou aqui para plantar a semente. Depois vou abrir as asas e levantar para outro voo”.

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