terça-feira, março 03, 2009

A prima Lucy

Esta estória tem sotaque alentejano. E a prima Lucy também.

Eu tenho uma prima Lucy, ou Luce, em alentejano. Na verdade, não é incorrecto dizer que tenho duas primas. A Lucy, já se percebeu, é uma prima matrafona: alta, larga – de ombros e de ossos – e com boas pernas. A Lucy é tal e qual o meu tio Né, mas tem mais cabelo e bebe menos álcool.

O mais curioso – e que me levou anos a perceber – é que o tio Né foi sempre casado com a tia Mena, que nunca teve filhos. A prima Lucy foi, claro está, um grande azar.

Aconteceu que o Alentejo é um sítio onde o sono ataca com força, ora porque está muito frio, ora porque se pôs um calor que não deixa respirar. E aconteceu por isso que, durante muitas tardes seguidas, o tio Né dormiu a sesta com uma prima sua.

- “Ele vai sempre dormir a sesta com a prima Adelaide. São tão amigos, aqueles dois!”, dizia a tia Mena.

Aconteceu depois que a prima do tio Né, coitada, emprenhou, diz que de um namorado ou o que era; e que até podia ser, se não fosse o caso, que era, de a criança ter saído tal e qual o tio Né, desde os olhos míopes até ao sinal peludo, por cima da boca.

- “São da mesma família, é natural que a miúda lhe ares”, insistia a tia Mena.

A Lucy não dava só ares ao tio Né; tinha-lhe o corpo todo menos as vergonhas. E acabou por ficar lá por casa, a cargo da tia Mena, que o tio tinha que tomar conta do uísque, que é whisky em estrageiro.

A sua mãe de barriga foi para Inglaterra e vinha de vez em quando, pelas saudades da sesta. Tantas, que um dia voltou a engravidar e nasceu o primo, igualzinho à Lucy mas com as vergonhas do tio, de quem até herdou o nome mais uma variação, que é Nelo, quase para despistar. Mas isso é toda uma outra história.

Voltemos à Lucy, que foi crescendo e se fez uma mocetona. Tanto, que arranjou dois noivos. O primeiro deu-lhe o Bruno, “moço esperto qu’eu sei lá”, atesta a tia Mena; o segundo deu-lhe as gémeas, e uma bela casa perto do monte da tia Mena e do tio Né, sempre a jeitos de não precisar de fazer o comer.

A prima Lucy deixou os estudos cedo mas foi, agora que tem perto de 30 anos, resgatada pelo benemérito programa Novas Oportunidades. Há quem diga que é calona, mas “é mentira”, garante a tia Mena. A moça teve foi azar. Havia muitos professores que implicavam com ela e depois pronto, a gente sabe como é”.

E a provar o que jura a tia, Lucy tirou um curso de canalizador. Arrisco que se preparava para ser a primeira canalizadora daquela terra. Mas teve azar. Que jeito tem uma mulher daquelas – uma mocetona daquelas – no meio de tantos homens?

- “Olhavam muito quando eu me baixava, era uma pouca vergonha!”, queixa-se a Lucy. Teve que desistir.

- “Mas é uma lutadora”, defende a tia. “A minha Luce é uma lutadora. Agora está a estudar para recepcionista de hotel”.

- “Mas isto agora é diferente. Ir à escola já não como era. Este curso é mais difícil. Está bem que deram um computador e que só pago 15 euros por mês, e que assim já posso ver a matéria toda na Internet. Mas até é preciso as leis de Newton”, lamenta-se, sem, porém, perder o entusiasmo: “Agora é que vai, prima, agora é que vai!”, sorri, de boca larga.

E vai de certeza. Agora é que a Lucy apanha o comboio da sorte! Tirando o facto de não haver nenhum hotel na sua cidade, e de ela não poder de forma alguma largar a saia da tia Mena, não vejo razão nenhuma para que a Lucy tenha azar desta vez.

4 comentários:

Isabel disse...

Olá Joana.Gosto muito de te ler. E sou tua leitora assídua. E todos me deixam encantada:) E este não foi excepção, especialmente porque o Alentejo me é um assunto caro:) E por isso mesmo, não podia deixar de referir que o que não falta em Beja neste momento são hotéis. E pousadas, e pensões turísticas. Pode não vir daí muita sorte, mas caso ajude a dar algum ânimo, já ouvi falar da construção de mais um grande hotel:)
Beijinhooo

Blabla disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Unknown disse...

Ela disse que "este estava fraquinho". Mentira. Está, como sempre, uma estória da Joana. Bem contada.

Nem sabia que tinhas família no Alentejo, vê lá! Para a próxima, na falta de fotos, faz desenhos! ;)

borges disse...

Eis que após a tua incursão arábica, temos de regresso a boa escrita.
É falta de atenção minha ou há aqui um toque diferente nesta cronica?
Sei lá...
Mas não interessa é bom e "prontos" !
És sempre uma boa lufada de maresia atlântica aqui no meio deste golfo sufocante.
Obrigado !