Esta estória tem sotaque alentejano. E a prima Lucy também.
Eu tenho uma prima Lucy, ou Luce, em alentejano. Na verdade, não é incorrecto dizer que tenho duas primas. A Lucy, já se percebeu, é uma prima matrafona: alta, larga – de ombros e de ossos – e com boas pernas. A Lucy é tal e qual o meu tio Né, mas tem mais cabelo e bebe menos álcool.
Eu tenho uma prima Lucy, ou Luce, em alentejano. Na verdade, não é incorrecto dizer que tenho duas primas. A Lucy, já se percebeu, é uma prima matrafona: alta, larga – de ombros e de ossos – e com boas pernas. A Lucy é tal e qual o meu tio Né, mas tem mais cabelo e bebe menos álcool.
O mais curioso – e que me levou anos a perceber – é que o tio Né foi sempre casado com a tia Mena, que nunca teve filhos. A prima Lucy foi, claro está, um grande azar.
Aconteceu que o Alentejo é um sítio onde o sono ataca com força, ora porque está muito frio, ora porque se pôs um calor que não deixa respirar. E aconteceu por isso que, durante muitas tardes seguidas, o tio Né dormiu a sesta com uma prima sua.
- “Ele vai sempre dormir a sesta com a prima Adelaide. São tão amigos, aqueles dois!”, dizia a tia Mena.
Aconteceu depois que a prima do tio Né, coitada, emprenhou, diz que de um namorado ou o que era; e que até podia ser, se não fosse o caso, que era, de a criança ter saído tal e qual o tio Né, desde os olhos míopes até ao sinal peludo, por cima da boca.
- “São da mesma família, é natural que a miúda lhe ares”, insistia a tia Mena.
A Lucy não dava só ares ao tio Né; tinha-lhe o corpo todo menos as vergonhas. E acabou por ficar lá por casa, a cargo da tia Mena, que o tio tinha que tomar conta do uísque, que é whisky em estrageiro.
A sua mãe de barriga foi para Inglaterra e vinha de vez em quando, pelas saudades da sesta. Tantas, que um dia voltou a engravidar e nasceu o primo, igualzinho à Lucy mas com as vergonhas do tio, de quem até herdou o nome mais uma variação, que é Nelo, quase para despistar. Mas isso é toda uma outra história.
Voltemos à Lucy, que foi crescendo e se fez uma mocetona. Tanto, que arranjou dois noivos. O primeiro deu-lhe o Bruno, “moço esperto qu’eu sei lá”, atesta a tia Mena; o segundo deu-lhe as gémeas, e uma bela casa perto do monte da tia Mena e do tio Né, sempre a jeitos de não precisar de fazer o comer.
A prima Lucy deixou os estudos cedo mas foi, agora que tem perto de 30 anos, resgatada pelo benemérito programa Novas Oportunidades. Há quem diga que é calona, mas “é mentira”, garante a tia Mena. “A moça teve foi azar. Havia muitos professores que implicavam com ela e depois pronto, a gente sabe como é”.
E a provar o que jura a tia, Lucy tirou um curso de canalizador. Arrisco que se preparava para ser a primeira canalizadora daquela terra. Mas teve azar. Que jeito tem uma mulher daquelas – uma mocetona daquelas – no meio de tantos homens?
- “Olhavam muito quando eu me baixava, era uma pouca vergonha!”, queixa-se a Lucy. Teve que desistir.
- “Mas é uma lutadora”, defende a tia. “A minha Luce é uma lutadora. Agora está a estudar para recepcionista de hotel”.
- “Mas isto agora é diferente. Ir à escola já não como era. Este curso é mais difícil. Está bem que deram um computador e que só pago 15 euros por mês, e que assim já posso ver a matéria toda na Internet. Mas até é preciso as leis de Newton”, lamenta-se, sem, porém, perder o entusiasmo: “Agora é que vai, prima, agora é que vai!”, sorri, de boca larga.
E vai de certeza. Agora é que a Lucy apanha o comboio da sorte! Tirando o facto de não haver nenhum hotel na sua cidade, e de ela não poder de forma alguma largar a saia da tia Mena, não vejo razão nenhuma para que a Lucy tenha azar desta vez.
4 comentários:
Olá Joana.Gosto muito de te ler. E sou tua leitora assídua. E todos me deixam encantada:) E este não foi excepção, especialmente porque o Alentejo me é um assunto caro:) E por isso mesmo, não podia deixar de referir que o que não falta em Beja neste momento são hotéis. E pousadas, e pensões turísticas. Pode não vir daí muita sorte, mas caso ajude a dar algum ânimo, já ouvi falar da construção de mais um grande hotel:)
Beijinhooo
Ela disse que "este estava fraquinho". Mentira. Está, como sempre, uma estória da Joana. Bem contada.
Nem sabia que tinhas família no Alentejo, vê lá! Para a próxima, na falta de fotos, faz desenhos! ;)
Eis que após a tua incursão arábica, temos de regresso a boa escrita.
É falta de atenção minha ou há aqui um toque diferente nesta cronica?
Sei lá...
Mas não interessa é bom e "prontos" !
És sempre uma boa lufada de maresia atlântica aqui no meio deste golfo sufocante.
Obrigado !
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