Lembro-me de quase tudo. Vejo bem o meu cabelo: mais comprido, pelo queixo, mas com os mesmos caracóis. Eu tinha oito anos e franzia o nariz, desagrada. Tinha na mão um embrulho tosco que não sei precisar; era uma prenda, disso tenho a certeza.
Lembro-me de estar preocupada.
Quando sair da primária vou ter que me lembrar sozinha do dia do pai. E vou ter que fazer a prenda.
Lembro-me de ter ficado aborrecida com o peso da responsabilidade.
O meu pai tem uma figura de umas décadas depois daquela – magra, de calças à boca de sino e de bigode – que apaixonou os olhos azuis da minha mãe. É baixo e tem traços redondos (até o da careca) e vai amanhã – e ontem, e anteontem, e todos os dias antes disso – “começar uma grande dieta”.
Deu-me os olhos dele e ensinou-me a não ter vergonha das minhas ideias. Deu-me esta maneira de sentar e ensinou-me a ver o campo e a perceber a força de querer muito o que quer que seja.
Deu-me a intolerância face à preguiça mas uma vontade forte de empurrar as coisas más do mundo.
Diz-me muitas vezes “I love you”, e garante que eu ainda cheiro a bebé.
Inventou um banco de imagens no céu da cabeça dele, para onde manda todas as imagens bonitas que vê. Tem milhares de bichos da seda.
Planta os caroços de toda a fruta que come. Um dia vai ter um jardim. Tem um lagarto amigo no Parque da Paz.
Põe a língua de fora quando está concentrado. Oferece-me pedras com boas energias.
O meu pai nunca me deu prendas iguais às que os pais dos outros miúdos lhes davam. Percebi depois que nem era preciso, porque a minha prenda era ele.
Nunca cheguei a fazer-lhe nenhuma prenda do dia do pai depois de ter deixado a escola primária. Sei que não é preciso: a prenda dele sou eu.
Lembro-me de estar preocupada.
Quando sair da primária vou ter que me lembrar sozinha do dia do pai. E vou ter que fazer a prenda.
Lembro-me de ter ficado aborrecida com o peso da responsabilidade.
O meu pai tem uma figura de umas décadas depois daquela – magra, de calças à boca de sino e de bigode – que apaixonou os olhos azuis da minha mãe. É baixo e tem traços redondos (até o da careca) e vai amanhã – e ontem, e anteontem, e todos os dias antes disso – “começar uma grande dieta”.
Deu-me os olhos dele e ensinou-me a não ter vergonha das minhas ideias. Deu-me esta maneira de sentar e ensinou-me a ver o campo e a perceber a força de querer muito o que quer que seja.
Deu-me a intolerância face à preguiça mas uma vontade forte de empurrar as coisas más do mundo.
Diz-me muitas vezes “I love you”, e garante que eu ainda cheiro a bebé.
Inventou um banco de imagens no céu da cabeça dele, para onde manda todas as imagens bonitas que vê. Tem milhares de bichos da seda.
Planta os caroços de toda a fruta que come. Um dia vai ter um jardim. Tem um lagarto amigo no Parque da Paz.
Põe a língua de fora quando está concentrado. Oferece-me pedras com boas energias.
O meu pai nunca me deu prendas iguais às que os pais dos outros miúdos lhes davam. Percebi depois que nem era preciso, porque a minha prenda era ele.
Nunca cheguei a fazer-lhe nenhuma prenda do dia do pai depois de ter deixado a escola primária. Sei que não é preciso: a prenda dele sou eu.
3 comentários:
Bonito texto para um pai ler :)
Tão querida...ficou a imagem de ti pequenina enquanto lia o texto! Os papis rulam ;) Beijooo*
Isso dos livros está sobrevalorizado! Qualquer jogador de futebol tem um lolol! Brincadeira!
Mas digo-te que daqui a 1, 2 aninhos, tinha a sua graça fazeres uma coisa pequena, ediçao limitada de livro com textos que já aqui escreveste. Comprava e exigia autografo! Lembra-te que a minha sábia mae sempre disse que ias ser escritora e que haveria de vender livro teu autografado por uma fortuna!
Beijinho
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