terça-feira, março 10, 2009

A cara velha da menina bonita

À volta dela havia uma mina de saudades – que se vai perceber o que é daqui a uns parágrafos – e um vento forte, de fim de tarde de inverno. Começava a cair com vergonha uma chuva miúda e gelada.

Ao fundo vinha, em passo apressado, já de sorriso posto nos olhos e de ramo de flores na mão. Vinha aviada de pão quente e ávida de conversa.

- “Olá, boa tarde! Então já vão embora? É uma pena não ter aqui a chave da minha oficina, gostava de vos mostrar os meus bordados. Eu faço artesanato”, começou.

Idalina é de Santiago do Cacém. Tem 78 anos. Foi viver para o Lousal com o seu marido, que veio, como vieram centenas de homens, trabalhar para a mina para vê-la depois fechar, no fim da década de oitenta. A pressa com que leva a vida não a deixa demorar-se muito nas saudades, como se demoram os homens. Além disso, a sua paixão fica numa casa ao lado desta que cai à nossa frente.



[Fotografia de Pedro Pina]

- “Eu também lá trabalhei, mas era coisa leve. Era escolher o minério, com as outras mulheres. A minha paixão foram sempre as artes manuais e a escola”.

Ela tem, em cima de um corpo velho, que não condiz consigo, uma cabeça jovem e uma cara de menina, por baixo das rugas. Idalina não tem nem mais um ano que eu, mas disfarça: traz uns collants grossos, castanhos, e uma saia de napa, de avó, como a camisola de lã cinzenta, com flores desenhadas. Os cabelos brancos também não servem senão para disfarçar de velha a menina bonita.

Conta, apaixonada e enérgica, o gosto pelo ensino, de que não tira folga, e pelos bordados, “cópias de obras com centenas de anos”: “Devia ver, menina, devia ver.” E conta que o mundo é cada vez mais pequeno.

- “Agora é tudo ali ao fundo; veja lá que eu estou a fazer trabalhos para a França e para a Guatemala. E chega tudo muito depressa! A gente põe-se em todo o lado num instantinho“.

Tem “três filhos criados, tudo doutores”, mas não tem idade para ter nenhum. Segurou no tempo.

– “Até o senhor da escola onde dou aulas me diz: qual quê! A dona Idalina não morre!”

Quis saber de nós. De onde vínhamos, por que vínhamos e deixou-se fotografar, sabendo que a que fica no retrato é a menina e não a velha.

Voltei com a promessa de um regresso. É que Idalina vai bordar-me um lindo vestido de noiva, – que até já lhe ficou na cabeça – assim que deixarmos de ser meninas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Deve ser uma doçura de senhora,consegue-se ver nos olhos dela que é uma jovem...mais um texto para fazer sorrir princesa!
Beijo grande :)