sábado, março 19, 2011

O comunista a quem a PIDE deu um presente

[Texto escrito a propósito dos 90 anos do PCP]

Aurélio Santos foi preso pela polícia política em 1953, no dia em que fazia 23 anos. Um “presente do regime salazarista”, que lhe abriu as portas do partido que havia ser o seu o resto da sua vida.

A história do rapaz de 23 anos que a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) prendeu em 1953 chega a 2011 com um homem de 80 anos a sorrir e a citar Pablo Neruda: “Confesso que vivi. E vivi muito porque participei nesta contribuição para que o mundo se alterasse e a vida se alterasse no meu país”, diz.

Aurélio Santos é militante do Partido Comunista Português (PCP) desde 1957. Ocupou diversos cargos de direção, foi membro do comité central durante quase quarenta anos. O partido faz tanto parte da sua existência como ele mesmo.

A história deste encontro é simples: No início da década de 1950 era ativista e dirigente do Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil. Foi preso. Até aí, nunca tinha tido qualquer contacto com o PCP.

“Quando acabou o meu isolamento enviaram-me para uma cela em que estavam alguns dos comunistas que eu mais estimo, como o Carlos Costa ou o Francisco Miguel. Foi na prisão que comecei a conhecer os comunistas e a ter contacto com eles. Devo portanto essa oportunidade ao presente de aniversário que a PIDE me deu”, conta.

Inscreveu-se no PCP já depois de ter saído da prisão. Em 1957 passou à clandestinidade. “Continuava a exercer atividade política e com a vigilância que a PIDE tinha sobre o conjunto da situação portuguesa era muito difícil ter essa atividade e não estar em risco de prisão”.

Os pais haviam de chegar quinze dias depois de Moçambique, mas “a passagem à clandestinidade tinha que ser naquele dia, não podia esperar mais”.

Eles “saíram do barco, estavam à minha espera e eu não estava lá”, recorda. Depois o silêncio até abril de 1974. “Não era possível haver um contacto com a família porque isso dava uma série de pistas à polícia”. O pai morreu antes do abraço, a mãe abraçou-o pelos dois, mesmo “sem compreender as necessidades de uma atividade clandestina”.

À distância de décadas, Aurélio Santos diz que a sua história “não foi nada, comparada com aquilo que algumas pessoas sofreram”. Conta “apenas meia dúzia da bofetões”. E sublinha sempre que valeu a pena.

E depois conta abril: “O 25 de abril foi o grande acontecimento da minha vida, além da prisão e dos primeiros contactos com o movimento comunista. Foi para mim uma revelação de um novo mundo, a possibilidade de intervir mais diretamente na criação dessas novas condições para o meu país e para o mundo em geral”, diz.

Recebeu a notícia do golpe dos capitães na manhã de dia 25, era diretor da rádio do partido desde 1962, a Portugal Livre. “Foi quando nos apercebemos de que os acontecimentos estavam a ser transmitidos em direto, sem censura, que tivemos a convicção unânime de que o regime ia cair”.

Sentado na mesma cadeira vermelha do início desta história, Aurélio Santos olha para os jovens que têm hoje a idade que ele tinha quando foi preso, e que ele considera que “podem mais”.

Rejeita o cliché da “geração à rasca” e argumenta: “Há hoje muitos mais jovens em condições de darem uma grande contribuição para o desenvolvimento do país do que nos anos 1950. Cada geração tem a sua forma de intervir, tem a sua mentalidade, e a confiança que é necessário que eles tenham em si próprios também vem da confiança que temos neles”.

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