quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Os espiões à volta dele

Álvaro há-de ter entre 60 e 70 anos.

Tem os ombros encolhidos, ao nível das orelhas, para que as mãos lhe caibam nos bolsos das calças sem que os braços se estiquem. Tem um semblante cinzento, cerrado, tenso.

Precisa de estar sempre atento, vigilante. Nunca está sozinho.

Esteve em África e há quem diga que foi daí que eles vieram, os que não o largam.

Álvaro deambula pelas ruas como se tivesse o corpo oco. É uma figura escorrida, tensa, pesada nos passos e no desenho dos olhos.

Não é fácil fazê-lo trocar de roupa, tomar banho ou cortar o cabelo. Duvido que seja fácil fazê-lo adormecer.

Ele precisa de estar sempre atento, vigilante. Nunca está sozinho.

Só come enlatados ou fruta fina, que o lembra de África. Lava toda a comida antes de a levar à boca. Eles estão sempre a tentar envenená-lo.

Vive num bairro onde todos os dias há tiros e assaltos, onde os gritos são permanentes, onde os miúdos têm que crescer depressa para tomarem conta dos mais miúdos ainda, onde as meninas já são mães, onde o lixo se amontoa.

Álvaro aproximou-se de mim. Olhou-me. Tinha uma história para me contar. Chegou-se mais perto. Mas não podia.


Precisa de estar sempre atento, vigilante. Porque nunca está sozinho.

1 comentário:

borges disse...

Ia escrever um longo comentério mas desisti. Afinal basta dizer que "GOSTO!".
Continua fiel ao estilo. A habitual qualidade !
A. Borges