terça-feira, setembro 01, 2009

Os visitantes do luto

[A primeira fotografia é de Vítor Martinho]

O visitante decide o caminho: escolhe por onde entra e por onde sai; decide o tempo que se demora e o ritmo a que sente o frio que se esconde sob um céu quente e aberto de Agosto.

A luz fica densa entre as 2 711 estelas de arrependimento e betão dispostas em grelha no rectângulo que fazem a Cora-Berliner-Straße, a Ebertstraße, a Behrenstraße e a Hannah-Arendt- Straße, perto das portas de Bradenburgo, Berlim.

O peso da vergonha com que se ergueu, entre 2003 e 2005, o monumento de Peter Eisenman à memória dos judeus da Europa assassinados contrasta com os gritos dos dois miúdos que se desafiam para um salto mais alto e mais longo do que o anterior entre cada estela.

Contrasta com o olhar sexy que a loira alta prende na câmara com que o namorado a fotografa. Contrasta com a ligeireza com que todos se sentam a descansar, de pés pendurados e mapas abertos.

Os caminhos que se cruzam rápida e permanentemente dentro de toda a grelha de cimento são, imagino quando quase choco com outros visitantes, ilustração da surpresa com que outros se cruzaram com a morte.

Ao fundo, um segurança alto, forte e loiro pede delicadamente às crianças que não subam para as estelas. “É um monumento de luto”, explica.

O centro de informação, situado a sudeste do monumento, esconde-se na terra para mostrar as caras que o luto cobre.

“Aconteceu, por isso pode acontecer outra vez, e é essencialmente isto que temos que dizer”, Primo Levi 1).

Lá dentro, o ambiente obedece ao luto do memorial. Tenso, com luz fraca.

As palavras de Tela, escritas num postal agora ampliado no chão e iluminado, foram uma das primeiras confirmações do extermínio em massa nas câmaras de gás.

Escreveu-as de Kutno, a 27 de Janeiro de 1942. O postal foi publicado em Fevereiro desse ano, no jornal comunista clandestino Morgnfrajast.

«Já vos escrevi num cartão o destino que nos persegue. Estão a levar-nos para Chelmno e a gasear-nos».

O silêncio é cortado pelos soluços que se ouvem entre cada carta ampliada e iluminada no chão.

As estimativas apontam para que tenham sido mortos cerca de 6 milhões de Judeus.

E o espaço é curto: «Dizer os nomes de todas as vítimas do Holocausto e contar todas as suas histórias de vida levaria cerca de seis anos, seis meses e 27 dias».


1) Primo Levi nasceu em Turim, em 1919. Licenciou-se em Química, participu na Resistência contra a ocupação Nazi. Foi preso e internado no campo de concentração de Auschwitz. Escreveu, entre outras obras, “Se isto é um homem (1947)” com base na experiência que viveu. Suicidou-se em 1987.

1 comentário:

Cristina Nico disse...

Querida Joana,

Mais uma vez me sensibiliza a tua atenção e empatia com a dor dos homens, com as injustiças e com tudo o que nos nivela abaixo, não digo da humanidade, pois seres vivos há que manifestam mais misericórdia, mas abaixo da vida.

Querida, que o teu sentido de justiça e a tua paixão pela vida permaneçam e se aprofundem.

Mil beijinhos!