quinta-feira, dezembro 16, 2010

Os netos dos escravos veem um Brasil com racismo velado e cinco séculos de problemas por resolver

A comunidade do quilombo do Campinho da Independência, onde vivem 450 descendentes de escravos negros brasileiros, perto de Paraty, no estado do Rio de Janeiro, aplaude o Presidente Lula mas defende que os negros do Brasil ainda não são livres.


Os 13 núcleos familiares que se distribuem pelos cerca de 280 hectares de terra do quilombo são todos descendentes de três escravas negras que vieram, no século XIX, trabalhar para uma fazenda: A vovó Antonica, a vovó Camila e a tia Maria Luísa.

As crianças que correm no pátio perto da associação de moradores no intervalo das aulas são a sexta geração deste quilombo.

À volta é tudo verde, fresco. Os caminhos são de terra. Da tradição pouco sobra para além da cor da pele de quem aqui vive, da forma do artesanato e da casa onde ele é vendido. A maioria das famílias vive em casas de tijolo sem acabamentos e com antenas parabólicas.

A escola e a igreja são construções convencionais. Antes de se chegar ao campo de futebol de terra batida há um pedaço muro onde desenharam um negra com um filho perto e onde escreveram: “Eu peço a Deus que ilumine minha comunidade trazendo mais cultura e menos malandragem”.

Wagner do Nascimento, ou Waguinho, presidente da associação de moradores, conta que “depois da conquista da terra [o Campinho obteve a titulação coletiva das suas terras apenas em março de 1999, depois de mais de 30 anos de luta], a luta é para frutificar”.

O desafio do quilombo hoje é “desenvolver a comunidade com base na agricultura familiar, no artesanato, no manejo dos recursos naturais conscientes e promover a sustentabilidade do grupo”, diz.

Metade das pessoas do quilombo vive das atividades comunitárias que aqui se desenvolvem, do cultivo da terra ao restaurante, passando pela casa da farinha ou pelas guiadas a turistas.

Esta terra dá, garante Waguinho, “antes de comida, liberdade, porque não há cercas, não há muros. A terra permite à comunidade relacionar-se com a Mata Atlântica e isso ajuda o nosso trabalho sócio-ambiental”.

O presidente da associação de moradores considera que a luta tem sido grande, mas reconhece que as conquistas também: “A comunidade tem-se desenvolvido bastante. Hoje temos saneamento básico e, embora a energia elétrica não seja a 100 por cento, já chega a algumas casas”, diz.

Mais de metade da comunidade vive desta terra e quem trabalha fora, acrescenta Waguinho, “está a organizar-se para encontrar formas de trabalhar aqui”.

O quilombo é porta para a liberdade e arma para a luta contra a discriminação: “A população negra foi sempre a mão-de-obra do desenvolvimento do Brasil, muitas vezes escrava. E o nosso grande desafio é que isso mude. Queremos combater o racismo velado que existe no Brasil. Queremos o desenvolvimento a partir do nosso conhecimento, da nossa história de luta”, defende.

Wagner do Nascimento diz que “houve alguns avanços” durante os dois mandatos do Presidente Lula da Silva e que no próximo domingo vota “na continuidade” [Dilma Rousseff, a candidata apoiada pelo Presidente sindicalista], mas aponta falhas que decorrem, considera, da impossibilidade de “em oito anos se resolverem problemas com cinco séculos”.

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