terça-feira, dezembro 21, 2010

Na escola dos Sem Terra o camponês é doutor e revolucionário

Na escola nacional Florestan Fernandes, em São Paulo, o Movimento dos Sem Terra (MST) dá a milhares de camponeses militantes uma oportunidade que lhes foi negada durante gerações. Nesta escola o camponês estuda para ser doutor e revolucionário.


A escola fica a mais de uma hora de carro do centro de São Paulo, em Guararema. Em seis anos de passaram por aqui mais de 16 mil pessoas, entre alunos e professores, todos voluntários.

O espaço é amplo, desenhado em linhas retas e cores claras, arejado, arrumado. Há silêncio e cheira ao verde que há à volta. Pelas paredes, entre os pátios, há espaços de reflexão, poemas, fotografias, palavras de ordem. Bertolt Brecht, José Saramago, Sebastião Salgado, Karl Marx.

Nas salas de aula há janelas compridas, cheiro a giz, cadeiras vermelhas e revolução posta nas toalhas da mesa dos professores e pregada no quadro de cortiça que fica nas costas dos alunos.

Aqui, explica o porta-voz do MST João Paulo Rodrigues, acontece um processo de lapidação política teórica, curricular, que se espalha por todo o país. A escola é um método político de formação e de educação do movimento nacional e de outros movimentos sociais nacionais e internacionais”.

Maria Goreti, membro da direção da escola, explica que “neste espaço milhares de sem terra podem ter acesso a educação, que foi historicamente negada aos camponeses e à classe trabalhadora”.

A dirigente diz ainda que quem aqui estuda “apropria conhecimento para caminhar num processo de emancipação, de libertação”: “As pessoas vêm aqui estudar e depois regressam às suas áreas de assentamento [cooperativas plurifamiliares de produção agrícola] e aplicam no campo brasileiro aquilo que aprenderam”, conta.

Acrescenta que “os eixos de conhecimento aprofundados na escola estão ligados à História, à Filosofia, à Teoria da Organização, – onde entram as lutas da reforma agrária e também os processos de agroecologia – à questão agrária e à luta dos camponeses da classe trabalhadora”.

E há também “temas transversais a estes eixos, como a Cultura, a Literatura, as Artes, ou as relações entre homens e mulheres”: “A escola propõe também uma forma diferente de nos relacionarmos, que não está vinculada a uma visão de mercadoria, que vê o ser humano numa perspetiva livre”, diz.

Na Florestan Fernandes não se vai às compras. Vive-se, diz-se por aqui, de trabalho e de solidariedade. As tarefas dividem-se – todos fazem tudo –, come-se o que a terra dá e recebe-se alguns excedentes de assentamentos próximos. Hoje o almoço é arroz, feijão, farinha de mandioca, salada de alface e tomate e três cubos de carne por pessoa.

A frequência das aulas é gratuita mas os alunos assumem que o que levam daqui tem que ser semente para germinar na terra e voltar à casa: “Você tem um compromisso com a comunidade, com o movimento social a que pertence ao aprender conhecimentos aqui. Esses conhecimentos têm que retornar”, explica Maria Goreti.

Na verdade, percebe-se nas palavras de todos, a escola é apenas o espaço onde se faz formação. O movimento real, a transformação do conhecimento – a revolução – germina aqui mas acontece na terra.

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