A hortelã transpira dentro do chá preto oferecido, que arrefece em cima do balcão de vidro, enquanto duas fatias da melhor e mais barata pizza de Berlim aquecem no forno da pizzaria de Aladino.
Atrás do balcão está ele, um egípcio sorridente, corpulento e charmoso, com nome de génio e loja de rei. Aladino tem pele morena, cabelo e olhos escuros, e uma pincelada de barba no queixo, ao comprido. Há-de estar a meio caminho entre os 30 e os 40 anos.
Casou com uma portuguesa por quem se apaixonou num instante. Têm dois filhos que lhe rasgam os olhos de brilho a cada palavra.
Aladino fala um português rápido, desenrascado e levemente tosco nos cantos. Diz “mulhera”, por exemplo, mas com tanto amor que quase não se nota.
Aladino é muçulmano. Aqui não se vende álcool nem carne de porco. Mas diz-se tantas vezes “graças a Deus” quantos os episódios que Aladino partilha sobre a sua vida com quem vem de novo, “porque teve sorte, porque é muito feliz”.
Na pequena loja que abriu na Gneisenaustrasse, perto da estação de Mehringdam, no centro de Berlim, passa o mundo, sempre a abarrotar: dos turistas aos loucos, dos sozinhos aos sem-abrigo.
“Para comer aqui não é preciso dinheiro”, garante Aladino. “Chegam, escolhem e levam, mesmo que não paguem”.
É assim com os sem-abrigo, que escolhem a pizza e, enquanto ela aquece, fogem da montra de vidro que é janela e que dá para a rua para não afugentarem a clientela.
É assim com o grupo que entra em festa e deixa abraços, só para dizer que Aladino tem bom coração.
É assim com o judeu, que aparece todas as noites mas nunca gastou ali um cêntimo.
É assim com o empresário alemão loiro, lindo e gritante que chega montado numa imponente bicicleta holandesa para dizer olá e contar como foram as férias em Portugal.
É assim com o louco do andar de cima, que tem jeitos de ainda viver na Berlim oriental de muro erguido e se senta, imóvel, na mesa debaixo da árvore: cabelo escorrido, à tijela, bigode e óculos de armação quadrada de metal reforçada no nariz.
E são cada vez mais porque quem vem tem que voltar. Pode não vir pela fome ou porque se janta muito bem por três euros, mas porque tem saudades do sorriso e das brincadeiras de Aladino.
“O que falta à Alemanha é o amor da família. Eles têm tudo: dinheiro, médico, comida, espaços verdes, bons carros, bons transportes, uma grande história... mas não se ligam à família. São pessoas vazias e azedas. Acho que é por isso que vêm aqui”, sorri Aladino.
A hortelã está agora no fundo da caneca transparente, já sem chá. As pizzas estão quentes e é hora de jantar. Ficamos na mesa debaixo da árvore, em frente à montra da pizzaria.
Lá dentro, enquanto uns saem e outros entram, Aladino continua, irremediavelmente às voltas com a lâmpada de onde tira tantos sorrisos.
Casou com uma portuguesa por quem se apaixonou num instante. Têm dois filhos que lhe rasgam os olhos de brilho a cada palavra.
Aladino fala um português rápido, desenrascado e levemente tosco nos cantos. Diz “mulhera”, por exemplo, mas com tanto amor que quase não se nota.
Aladino é muçulmano. Aqui não se vende álcool nem carne de porco. Mas diz-se tantas vezes “graças a Deus” quantos os episódios que Aladino partilha sobre a sua vida com quem vem de novo, “porque teve sorte, porque é muito feliz”.
Na pequena loja que abriu na Gneisenaustrasse, perto da estação de Mehringdam, no centro de Berlim, passa o mundo, sempre a abarrotar: dos turistas aos loucos, dos sozinhos aos sem-abrigo.
“Para comer aqui não é preciso dinheiro”, garante Aladino. “Chegam, escolhem e levam, mesmo que não paguem”.
É assim com os sem-abrigo, que escolhem a pizza e, enquanto ela aquece, fogem da montra de vidro que é janela e que dá para a rua para não afugentarem a clientela.
É assim com o grupo que entra em festa e deixa abraços, só para dizer que Aladino tem bom coração.
É assim com o judeu, que aparece todas as noites mas nunca gastou ali um cêntimo.
É assim com o empresário alemão loiro, lindo e gritante que chega montado numa imponente bicicleta holandesa para dizer olá e contar como foram as férias em Portugal.
É assim com o louco do andar de cima, que tem jeitos de ainda viver na Berlim oriental de muro erguido e se senta, imóvel, na mesa debaixo da árvore: cabelo escorrido, à tijela, bigode e óculos de armação quadrada de metal reforçada no nariz.
E são cada vez mais porque quem vem tem que voltar. Pode não vir pela fome ou porque se janta muito bem por três euros, mas porque tem saudades do sorriso e das brincadeiras de Aladino.
“O que falta à Alemanha é o amor da família. Eles têm tudo: dinheiro, médico, comida, espaços verdes, bons carros, bons transportes, uma grande história... mas não se ligam à família. São pessoas vazias e azedas. Acho que é por isso que vêm aqui”, sorri Aladino.
A hortelã está agora no fundo da caneca transparente, já sem chá. As pizzas estão quentes e é hora de jantar. Ficamos na mesa debaixo da árvore, em frente à montra da pizzaria.
Lá dentro, enquanto uns saem e outros entram, Aladino continua, irremediavelmente às voltas com a lâmpada de onde tira tantos sorrisos.
3 comentários:
Fantástico. Mesmo tendo estado contigo em cada episódio desta estória, não deixo de sentir que entro numa hiper-realidade quando te leio.
Uma realidade à lupa e a transpirar poesia.
Amo-te. (Mais um) bom trabalho.
Fernandes,
esse último parágrafo vale, para mim, um Prémio Pessoa.
Sim, estou a exagerar. Mas, como sempre disse, é um prazer ler-te.
Cumps,
David
P.S. - a verificação ortográfica de hoje é "ourrum".
Gostei =) Parecem estórias de encantar, o modo como escreves as tuas reportagens ;) Gostei bastante deste post. Continua. Bom trabalho!
Um Beijinho,
Susana Barão.
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