sábado, janeiro 30, 2010

O bigode da prima Glória

Ao longe percebia-se bem que não era casamento de gente fina. Ao perto percebia-se ainda melhor.

A prima Glória casou com o primo Jaime vestida de saia-casaco, numa cerimónia simples, marcada para muito depois de expirada a idade conveniente às moças naquele tempo.

Afiança a minha avó, nova ao tempo do enlace, que a cerimónia foi singela e que da união nunca saiu fortuna.

A prima Glória era uma mulher de pouca sorte no desenho das feições, que a vida compensara no desenho da figura.

Trabalhou quase toda a vida na taberna que montou com o primo Jaime – que só via de um olho e começou esta história posto num fato de fazenda humilde mas composto, embora emprestado – perto de uma esquina numa rua da Arrentela.

A prima Glória tinha medo de andar de carro, nunca aceitou uma boleia do meu pai.

Foi a Pigó da infância do meu irmão e apareceu na minha vida tirada de um embrulho de fotografias numa gaveta desordenada.

A defunta prima Glória estava arrumada junto ao defunto primo Jaime, os dois desenhados a sépia.

Pelas minhas contas, passaram anos num namoro sôfrego e embrenhado no escuro daquela gaveta obesa.

Pensei muito nisto e agora sei que ali só pode ter acontecido muita pouca vergonha: Quando a minha mãe os encontrou, naquela tarde de arrumações, era muito difícil dizer quem dos dois tinha mais bigode.

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