A hortelã transpira dentro do chá preto oferecido, que arrefece em cima do balcão de vidro, enquanto duas fatias da melhor e mais barata pizza de Berlim aquecem no forno da pizzaria de Aladino.

Casou com uma portuguesa por quem se apaixonou num instante. Têm dois filhos que lhe rasgam os olhos de brilho a cada palavra.
Aladino fala um português rápido, desenrascado e levemente tosco nos cantos. Diz “mulhera”, por exemplo, mas com tanto amor que quase não se nota.
Aladino é muçulmano. Aqui não

Na pequena loja que abriu na Gneisenaustrasse, perto da estação de Mehringdam, no centro de Berlim, passa o mundo, sempre a abarrotar: dos turistas aos loucos, dos sozinhos aos sem-abrigo.
“Para comer aqui não é preciso dinheiro”, garante Aladino. “Chegam, escolhem e levam, mesmo que não paguem”.
É assim com os sem-abrigo, que escolhem a pizza e, enquanto ela aquece, fogem da montra de vidro que é janela e que dá para a rua para não afugentarem a clientela.
É assim com o grupo que entra em festa e deixa abraços, só para dizer que Aladino

É assim com o judeu, que aparece todas as noites mas nunca gastou ali um cêntimo.
É assim com o empresário alemão loiro, lindo e gritante que chega montado numa imponente bicicleta holandesa para dizer olá e contar como foram as férias em Portugal.
É assim com o louco do andar de cima, que tem jeitos de ainda viver na Berlim oriental de muro erguido e se senta, imóvel, na mesa debaixo da árvore: cabelo escorrido, à tijela, bigode e óculos de armação quadrada de metal reforçada no nariz.
E são cada vez mais porque quem vem tem que voltar. Pode não vir pela fome ou porque se janta muito bem por três euros, mas porque tem saudades do sorriso e das brincadeiras de Aladino.
“O que falta à Alemanha é o amor da família. Eles têm tudo: dinheiro, médico, comida, espaços verdes, bons carros, bons transportes, uma grande história... mas não se ligam à família. São pessoas vazias e azedas. Acho que é por isso que vêm aqui”, sorri Aladino.
A hortelã está agora no fundo da caneca transparente, já sem chá. As pizzas estão quentes e é hora de jantar. Ficamos na mesa debaixo da árvore, em frente à montra da pizzaria.
Lá dentro, enquanto uns saem e outros entram, Aladino continua, irremediavelmente às voltas com a lâmpada de onde tira tantos sorrisos.