Está normalmente sentada: ou numa cadeira de plástico que já foi branca, ou no degrau da porta de sua casa, com as pernas dobradas para um lado, com jeitos de princesa.
Chama-se Margarida Gomes Forte. “85 anos, nascida e criada na Praia. Cabo-verdiana natural.”
Tem um bibe igual ao da minha avó, mas muito encardido e com falta de botões. Não cheira como a minha avó. Também tem o cabelo grisalho mas muito mais crespo do que o dela. Tem um casaco de malha muito sujo, preso com um alfinete-de-ama. Tem calçadas umas sandálias que lhe ficam grandes. Tem as unhas dos pés e das mãos por cortar.
Casou aos 23 anos com o homem da sua vida, que fez outras vidas por fora e morreu há muito. Juntos tiveram 12 filhos. Dois morreram; os outros dez estão espalhados pela vizinhança, pelas ilhas e pelo mundo. “Neto nem conto. Ten un monti! Neto, bisneto.. Um monti!”
Margarida tem a vida de todas as mulheres, mais parágrafo, menos parágrafo. E diz-me todos os dias, como quem me benze: “É assim, filha: vida no mundo, vida di alegria, vida di tristeza, vida-tudo. Ten hora qui sabi, ten hora qui ka sabi. Ten hora di tudo. Assim qui nós bai!”.
E ri-se com aquele rir de olhos que já viram o que importava ver. E deixa-se estar, sentada, na corrente de ar, a ser todos dias o desenho da rotina que deixei em casa.
Levanto-me, dou-lhe um beijo e digo-lhe sempre: “Obrigada pela conversa, dona Margarida.”
E penso sempre, sempre, enquanto aceno, garota mimada, cheia de saudades: “daqui a sessenta anos quero ser tão linda como tu. Até amanhã, avó.”
1 comentário:
Lindo, Joana. :)
Um beijo.
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