[fotografias: Vítor Martinho]
Era baixa, roliça e vaidosa.
Diz quem se lembra desses tempos em que a menina tinha quatro anos, que pintava irrepreensivelmente os lábios sem se ver ao espelho.
Contam também que virava do avesso o guarda-vestidos da avó para se fantasiar de crescida com aprumo, e que corria, inabalável, em cima dos saltos altos de uns sapatos vários pares de números acima do seu.
E era assim, boneca vestida com alinho, que encetava cada jornada: a casa da avó guardava muitas estórias e tesouros. Era preciso dar conta de tudo, não deixar escapar nada. Abrir todas as portas e gavetas, olhar para dentro de todos os armários, ver debaixo das camas e dos sofás.
Deutsche Demokratische Republik museum, Karl-Liebknecht-Straße, Berlim

Aviso(tradução livre): “Este é um museu que se apalpa. Tudo aquilo em que não pode tocar está protegido. O resto é

Entrei na casa de uma avó que viveu em Berlim oriental, na República Democrática Alemã, criada em 1945, depois da Segunda Grande Guerra e da ocupação da Alemanha pelas tropas aliadas.
A avó deixa a menina – menos menina, menos roliça e vestida com menos alinho – entrar e garantir que não ficam estórias por apalpar.
A casa explica o regime desde o canto em que se segue a vida dos outros até à sala de estar onde se assiste a programas televisivos emitidos durante o século passado na Alemanha de Leste.

A história conta-se na máquina de lavar roupa, nos armários da cozinha ou nos da sala e segue pelo corredor onde estão os avós dos vestidos da avó da menina do início da estória e fotografias dos penteados das senhoras que se passearam com eles.
Na casa da avó de Leste também se aprende sobre políticas de habitação, profissões, medicamentos, futebol e música rock.
O museu da da República Democrática Alemã é uma avó faladora. Fez-me menina de novo. Não pintei os lábios nem calçava saltos altos, mas não deixei nenhuma gaveta por abrir.